Dados do IBGE revelam que 35 milhões de pessoas no Brasil enfrentam problemas oculares e as tendências apontam que o mercado deve crescer ainda mais
O mercado de oftalmologia nem sempre esteve em destaque no setor de saúde, mas nos últimos anos vem ganhando mais espaço com o lançamento de tratamentos e soluções inovadoras. Isso porque os desafios relacionados à saúde dos olhos estão aumentando globalmente. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), até 2050 metade da população poderá ser afetada pela miopia. No entanto, outros problemas como catarata, glaucoma e degeneração macular relacionada à idade também são preocupantes. Essas condições têm implicações significativas para a saúde, bem-estar, produtividade e inclusão social, além de impactarem consideravelmente a saúde pública.
Neste atual cenário, o oftalmologista Claudio Lottenberg, presidente do Conselho Deliberativo da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein e do Instituto Coalizão Saúde, lembra que a oftalmologia engloba uma série de doenças que antes não eram tão prevalentes devido à mortalidade precoce. Com o envelhecimento da população, essas enfermidades ganham relevância, impactando significativamente a qualidade de vida, o que alterou até mesmo a atuação dos profissionais na área:
“Aquele médico oftalmologista que foi treinado para ser um prescritor de óculos, hoje é um profissional que é treinado não só para tirar os óculos das pessoas, mas para prevenir e evitar que essas mesmas pessoas fiquem cegas. É um avanço muito importante dentro do caminho que a tecnologia tem oferecido”.
Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelam que 35 milhões de pessoas no Brasil enfrentam problemas oculares, com quase 600 mil delas sendo cegas. Segundo a OMS, em 80% dos casos a visão poderia ter sido preservada com medidas preventivas e tratamentos adequados. Inúmeros fatores contribuem para problemas na visão e cegueira, incluindo o envelhecimento da população, problemas genéticos e o uso excessivo de telas.
Inclusive, o relatório “As Condições da Saúde Ocular no Brasil 2023” divulgado pelo Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO), aponta que o envelhecimento e a pobreza são os principais fatores de risco para a cegueira, agravado pelo número de oftalmologistas e sua distribuição no país e a dificuldade de acesso aos serviços oftalmológicos oferecidos.
Por isso, o trabalho em conjunto e as parcerias são fundamentais, como destaca Wilma Lelis Barboza Lorenzo Acácio, presidente do CBO: “Temos várias atividades que incluem não só a parte acadêmica científica para nossos médicos, como aprendizados e reciclagens, mas também a defesa profissional e avanços. Um ponto que precisamos ponderar bastante é mantermos firmes nas políticas voltadas para a prevenção de cegueira e doenças que impactam significativamente a sociedade, como catarata, glaucoma e retinopatia diabética”.
Em busca de mais aderência aos tratamentos
Uma análise da Data Bridge Market Research aponta que o mercado global de oftalmologia está previsto para crescer a um ritmo de 6,4% ao ano entre 2022 a 2029. A projeção é que o mercado oftalmológico alcance cerca de US$ 85 bilhões até 2030, comparado a pouco mais de US$ 51 bilhões em 2022.
À medida que a oftalmologia avança, é importante alinhar as estratégias de desenvolvimento de medicamentos com as mais recentes descobertas clínicas e as demandas do mercado. Porém, os rápidos avanços tecnológicos e as mudanças nas necessidades dos pacientes exigem adaptação das empresas farmacêuticas para manter a competitividade. Nesse contexto, a pesquisa de novos medicamentos é fundamental para o tratamento oftalmológico, focando em terapias mais eficazes e seguras, que visem o local específico da doença e sejam bem toleradas pelos pacientes.
A Bayer é uma das farmacêuticas que tem olhado com atenção o segmento de oftalmologia. Segundo Tiago Dias, diretor da área terapêutica especialidades da Bayer no Brasil, uma das preocupações da Bayer em seu campo de atuação é melhorar o acesso e a aderência aos tratamentos. Uma das terapias da empresa é o aflibercepte, medicamento que está disponível no segmento privado há 10 anos e foi introduzido no SUS há dois anos. O produto possui seis indicações, incluindo o tratamento da Degeneração Macular Relacionada à Idade (DMRI) e do Edema Macular Diabético (EMD) – condições graves que podem levar à cegueira.
Na rede privada, 60% das pessoas eram diagnosticadas com edema macular. No sistema público, há dois anos, antes das aprovações, a doença praticamente não era tratada, com apenas 5% de taxa de diagnóstico e tratamento. Tiago mencionou que esse percentual aumentou de 5% para 20% e a meta é alcançar 30% até o final do ano.
O produto é atualmente comercializado na versão de 2 mg e é aplicado por meio de uma injeção diretamente no olho. Apesar de estar disponível gratuitamente no SUS, alguns pacientes acabam interrompendo o tratamento devido a dificuldades para se deslocar até os centros de aplicação ou por apresentarem resultados positivos já no primeiro uso, o que pode levar ao abandono do tratamento completo. Por isso, a empresa está conduzindo estudos para aumentar a dosagem para 8mg e, consequentemente, reduzir a frequência e permitir intervalos maiores entre as aplicações, que atualmente ocorre em média a cada 2 meses.
“Não é que tenhamos resolvido esse problema, mas precisamos melhorar a aderência. No SUS, a média de aplicações é 2,7 vezes. A pessoa vai, faz a aplicação uma, duas, até três vezes. Se a visão melhora, ela para. Caso contrário, ela não marca por outras dificuldades. Assim, acaba desistindo da fila, o que pode piorar sua condição. Infelizmente, muitos não conseguem manter o tratamento”.
Com a nova dosagem, as aplicações poderiam ocorrer mais perto de 2 vezes ao ano. “É uma inovação que ajuda a resolver as dificuldades que existem no sistema todo”, aposta.
Inovação para ajudar o sistema de saúde
A Roche é outra farmacêutica que tem atuado no campo da oftalmologia. Somente em 2022, investiu mais de R$ 440 milhões em pesquisa clínica no Brasil, marcando seu compromisso com inovações nesta área nos últimos anos. Em 2023, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou o uso da molécula faricimabe também para o tratamento da DMRI na forma úmida e do EMD. Essas condições afetam a mácula, uma região no fundo do olho responsável pela visão nítida e detalhada.
Michelle França Fabiani, líder médica na Roche Farma Brasil, mencionou que o pipeline da Roche para oftalmologia é robusto, com aproximadamente 14 programas de desenvolvimento clínico e nove moléculas distintas. Ela compartilhou que algumas dessas moléculas estão em diferentes fases, com algumas concluindo a fase 3 e com expectativa de lançamento no mercado mundial em breve. Além disso, há moléculas em fases mais iniciais. O foco, segundo ela, é entender e antecipar os mecanismos de ação das doenças e como as inovações podem beneficiar pacientes e o sistema de saúde: “Buscamos, por exemplo, utilizar inteligência artificial para obter informações que possam acelerar nossos programas, mantendo sempre o rigor científico”.
Ela também comentou sobre a baixa adesão aos tratamentos e o fardo que representa para o sistema de saúde, dado que alguns dos tratamentos disponíveis para essas condições da retina exigem que o paciente retorne frequentemente ao centro para aplicar injeções, o que muitas vezes resulta em baixa adesão. “A inovação que trazemos para o mercado é aquela que permite um maior controle da doença, possibilitando espaçar mais as visitas para a injeção intramédia. Temos dados que mostram até quatro meses de intervalo mantendo o mesmo controle da doença e evitando a progressão da perda de visão. Essa tecnologia também facilita a capacidade do sistema de atender um maior número de pacientes.”
Para Wilma Lelis Barboza Lorenzo Acácio, presidente do CBO, os desafios da saúde ocular dos brasileiros é um motivador para os constantes lançamentos na oftalmologia: “Em termos de tratamento clínico, precisamos avaliar esses lançamentos para entender se representam apenas mais uma oportunidade ou se realmente trazem mudanças significativas para o cenário”, avalia.
Avanços nas lentes de contato
Os avanços não se limitam apenas aos medicamentos, mas também às lentes de contato. Este mercado é estimado em US$ 10,23 bilhões em 2024 e deve alcançar US$ 12,24 bilhões até 2029, com um crescimento anual de 3,66% durante o período de 2024-2029. A Sociedade Brasileira de Lentes de Contato (Soblec) estima que mais de 2 milhões de cidadãos atualmente utilizam lentes de contato no país, mas esse número podia ser ainda maior.
Gerson Cespi, diretor-geral da CooperVision para o Brasil, destaca os avanços nas lentes de contato nos últimos anos, tanto em termos tecnológicos quanto no processo de fabricação: “Hoje, uma estação de produção, dependendo da empresa, como uma linha de produção de lente de silicone hidrogel, não começa com menos de 10 milhões de dólares”, explicou.
Tudo isso visa tornar o produto cada vez mais confortável e compatível com a fisiologia do usuário. Isso depende do processo de fabricação e do material utilizado, áreas onde as empresas estão concentrando seus esforços. A CooperVision lançou recentemente produtos que não apenas corrigem, mas também previnem a progressão dos graus. Além das inovações de produtos, Cespi compartilhou as novidades da área: “Hoje temos produtos que não só corrigem a miopia, mas também ajudam a bloquear seu avanço em crianças e jovens”.
O diretor-geral refere-se à lente MiSight 1 day, indicada para crianças de 8 a 12 anos. Ele destaca que, quando a miopia atinge mais de 5 graus na fase adulta, aumentam consideravelmente as chances de descolamento de retina, glaucoma, catarata, degeneração macular e outros problemas relacionados à retina. No caso, uma criança que tem atualmente 2 a 3 graus de miopia poderá ter, na fase adulta, 60% menos dessa condição, o que representa um avanço significativo.
“Por volta de 2050, metade da população mundial será míope. Portanto, um tratamento que visa bloquear e reduzir essa condição severa será muito benéfico em todos os aspectos e poderá proporcionar um futuro melhor para essas crianças”, destaca. Mas para chegar nesse cenário, Cespi acredita ser fundamental um trabalho em parceria com oftalmologistas e pediatras para disseminar essas novidades e ajudar na prevenção. Além disso, considera importante desmistificar o uso de lentes de contato: “Se alguém teve uma experiência ruim, comprou onde não devia, ou não teve um acompanhamento especializado, fala mal. E isso pode prejudicar os benefícios das lentes de contato”.
Tendências para oftalmologia
O cenário da saúde ocular também se apresenta como um problema de saúde pública, com filas para cirurgia no Sistema Único de Saúde (SUS). A cirurgia de catarata é uma das mais que tem maior demanda. Em abril, de acordo com levantamento do Ministério da Saúde, a cirurgia com a maior fila de espera (147.363 pessoas) é de catarata com implante de lente intraocular dobrável: “A cirurgia da catarata tornou-se uma cirurgia mais rápida e mais barata, e a qualidade de cirurgiões no Brasil aumentou muito. Uma quantidade de cirurgiões, não obstante, ainda insuficiente para o número de casos que vamos ter que operar, porque as pessoas estão morrendo mais tarde”, refletiu o oftalmologista Claudio Lottenberg.
Outro ponto, segundo Fabiani, da Roche, ao considerar o contexto atual e os números da oftalmologia, é compreender o impacto nos pacientes, no sistema de saúde e na sociedade em geral. Isso torna essencial para uma empresa inovadora desenvolver soluções que possam minimizar esse impacto e até mesmo prevenir. “Como sistema, precisamos lidar com esse componente social comportamental, que é a atitude (uso excessivo de telas). Também precisamos abordar outras condições, como as crônicas, onde a intervenção pode não ser tão eficaz”, destaca.
Nesse sentido, ao falar de futuro, a inteligência artificial (IA) veio para facilitar estes avanços. E a oftalmologia é uma das especialidades médicas que mais utiliza IA, sendo pioneira no uso dessa tecnologia para detectar e tratar uma ampla gama de patologias oculares, permitindo diagnóstico precoce de doenças e a formulação de tratamentos personalizados. Anteriormente, os diagnósticos e as recomendações médicas dependiam principalmente do reconhecimento de imagens, um processo mais laborioso.
Wilma Lelis Barboza Lorenzo Acácio, do CBO, acredita que o avanço da IA seja fundamental para avançar no diagnóstico: “Esse é um desafio enorme para nós: crescer com responsabilidade no desenvolvimento de produtos e aplicativos que ofereçam qualidade suficiente para que os médicos os utilizem com confiança, garantindo que realmente entreguem os benefícios necessários para endossar seu uso”.
Claudio Lottenberg, oftalmologista, também compartilha essa visão: “Existe um espaço significativo para evolução que, acredito, será notável para proporcionar uma medicina de melhor qualidade às pessoas que dela necessitam”.
Fonte:
Futuro da Saúde